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"A ronda dos prisioneiros" de Vincent van Gogh (1890) |
A experiência de atuar como Assistente Social no sistema prisional é marcada por desafios e acusações que, além de irreais, são inusitadas. Durante meus anos de serviço, fui eventualmente alvo de críticas baseadas em mal-entendidos sobre o papel do Assistente Social nesse campo. Muitas vezes, essas ofensas refletem a ignorância dos acusadores e são claramente advindas da falta de conhecimento sobre o trabalho do profissional e sobre a própria execução penal. Além disso, algumas ofensas só são percebidas como tal pelo ofensor. Um exemplo claro disso é quando tentam nos ofender nos chamando de “defensores dos direitos humanos” de forma pejorativa, o que chega a ser engraçado. A investida de ataques contra atividades humanizadas dentro de um cenário punitivista muitas vezes parte de pessoas que possuem valores distorcidos e consideram a violência e a punição como aceitáveis. Nessa ótica, defender os direitos humanos é visto como um pecado capital.
O que realmente é preocupante e se mostra com maior evidência é a falta de conhecimento não apenas sobre o trabalho do Assistente Social no sistema prisional, mas também sobre o sistema de execução penal e seus preceitos legais. Muitas vezes, cria-se a ideia de que o que se acredita sobre segurança pública ou execução penal, dentro da lógica punitiva, é a verdade absoluta, ignorando completamente os preceitos legais estabelecidos e até mesmo a própria lógica de funcionamento do sistema.
O estigma de que Assistentes Sociais ou quaisquer servidores das áreas de especialistas no sistema prisional são “defensores de bandidos” é uma visão não apenas reducionista, mas amplamente equivocada do papel desses profissionais no sistema prisional. No caso dos Assistentes Sociais, nesse contexto, a atuação é fundamentalmente técnica, pautada não somente na “garantia” de direitos humanos, mas com fito à reintegração social dos indivíduos privados de liberdade.
Para que os leitores entendam o campo de trabalho, que muitas vezes é desconhecido até mesmo por servidores, é necessário deixar clara a distinção entre o processo criminal e o processo de execução da pena. Assim, se o leitor estiver com a mente aberta a conhecer, é possível desmistificar essa percepção errônea. De forma simples, após a condenação, encerra-se o processo criminal e inicia-se o processo de execução da pena. Este novo processo visa assegurar o cumprimento da pena, mas também assegurar que ocorra de maneira digna, respeitando os direitos dos custodiados e promovendo sua reintegração à parte livre da sociedade. O trabalho do Assistente Social, neste âmbito, é viabilizar para que esses direitos sejam efetivados, proporcionando acesso a serviços essenciais, bem como a manutenção dos vínculos familiares. Defender a preservação de direitos não pode ser confundido com defesa da prática do crime ou do criminoso. Levar esse debate para esse campo é “forçar a barra” para muitas vezes encobrir, fazer a defesa de outros crimes, estes cometidos por outros personagens, mas isso é tema para outro texto.
Não fazem “segurança” apenas indivíduos armados com roupas táticas, entender dessa forma é mais uma vez uma visão reducionista.
A intervenção do Assistente Social prisional é orientada por princípios éticos e legais, com o objetivo de promover a justiça social e a dignidade humana. Não falamos aqui de achismo, ideologias políticas ou bondade com viés religioso, falamos de leis, regramentos que devem ser cumpridos. Ao buscarmos meios para garantir condições adequadas para a execução da pena, contribuímos para a construção dessa característica que busca a utópica ressocialização dos presos através das ações do estado. A intenção clara de reduzir a reincidência criminal e, consequentemente, promover a segurança pública. Deixemos claro aqui que a Segurança Pública enquanto política pública é isso. Não fazem “segurança” apenas indivíduos armados com roupas táticas, entender dessa forma é mais uma vez uma visão reducionista.
Na classificação e acompanhamento de condenados, campo de atuação principal do Assistente Social prisional, não há espaços para novos julgamentos, embora alguns servidores se comportem como juízes “proferindo nova sentença” todos os dias para cada condenado. A confusão entre a defesa de direitos e a defesa dos crimes cometidos é uma percepção equivocada que ignora a separação entre o julgamento e a execução da pena. Uma vez condenado, o indivíduo já passou pelo devido processo legal e está cumprindo sua sentença. O foco do Assistente Social não é reavaliar o crime, mas assegurar que a pena seja cumprida em conformidade com os princípios de direitos humanos. Nessa ótica, não defender que tais direitos sejam violados é confundido por alguns com a defesa da prática de crimes. Ora, a prova mais absoluta de que um Assistente Social não defende o crime é justamente não ser conivente com a prática de excessos, muitas vezes torturas, entre outros, crimes estes que talvez possam ocorrer no âmbito da segurança pública no geral. Crime é crime: tráfico de drogas, homicídio, tortura ou omissão a esta, até mesmo dirigir alcoolizado e armado, está no mesmo balaio. Obviamente, não apoiamos nenhuma dessas práticas, mas certamente, uma vez que o indivíduo seja condenado por alguma delas, estaremos tecnicamente dispostos a atuar para promoção das condições mínimas de cumprimento da reprimenda. A percepção de que os Assistentes Sociais são os “defensores de bandidos” é, portanto, uma distorção ridícula do trabalho executado.
Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo.
Quanto à ideia de punição exacerbada, para além das limitações impostas pela lei e da percepção individual sobre violação de direitos, essa questão pode ser bastante relativa e não necessariamente correlacionada diretamente à profissão em si. No contexto dos profissionais de nível superior no sistema prisional, como Assistentes Sociais, Psicólogos, Advogados, Enfermeiros, Médicos, entre outros, regulados por normativas profissionais e conselhos de classe, assim como os profissionais de nível médio, como Agentes Penitenciários e Assistentes Executivos, observamos uma variedade de posturas humanizadas que podem ser adotadas. Essas posturas são influenciadas por diversos aspectos. No entanto, o Serviço Social carrega em seu projeto ético-político, assim como nos princípios de seu código de ética profissional, o compromisso com a defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa do arbítrio e do autoritarismo.
O Assistente Social, sobretudo os que atuam no sistema de execução penal, desempenha um papel ímpar na viabilização do acesso aos direitos dos indivíduos privados de liberdade e na promoção da sua reintegração social. Ao atuar de forma técnica e ética, estes profissionais contribuem para a justiça social e a segurança pública. O estigma de “defensores de bandidos” não afeta o seu compromisso com a dignidade humana e com a construção de uma proposta de atuação humanizada e arredia da violação dos direitos fundamentais tão comum nesse espaço sócio-ocupacional.
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