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"Os comedores de batatas, de 1885, é a primeira obra de destaque de Van Gogh" |
No início deste ano, decorrente de um rompante de insights literários e críticos, enfrentei um impasse que até então desconhecia: a incrível dificuldade de escrever para quem "não sabe ler". Melhor dizendo, a frustração de atingir, com a minha escrita, maus leitores. Claro que a quantidade de leitores qualificados é sempre maior, mas, nesse caso, minha primeira sátira escrita em um blog atingiu em cheio leitores que, embora saibam ler, não percebem a sutileza da acidez de uma escrita satírica.
Para que os leitores deste texto entendam, no início de 2024, ao me desprender de uma escrita acadêmica que concluí, e das obrigatoriedades de dedicar-me aos cuidados técnicos de uma pesquisa, decidi criar um canal de escrita. A intenção era produzir textos leves, porém ácidos e críticos, com um certo grau de humor e doses sinceras de realidade, mas com a leveza de uma escrita não acadêmica. No entanto, percebi a dificuldade de escrever e atingir um público que não lê. O primeiro texto do blogue trouxe à página aproximadamente seis mil acessos, alguns inimigos e revelações. Este novo texto, porém, trata-se de um retorno, o início de um novo ciclo de escritas e traz a reflexão que esse momento me despertou.
Veja bem, estamos num mundo onde pessoas que se consideram sábias acreditam que um drama é apenas um livro ou algo dramático, cheio de emoções, e que um romance é um livro romântico. Eu pertenço ao mundo "estranho" onde, ao ver um drama, entendo algo que pode ser encenado, uma dramaturgia, e ao ver um romance, reconheço que se trata, na verdade, de uma narrativa longa. Como esperar que uma pessoa que não lê compreenda a verdadeira natureza desses termos? Ou talvez seja esperar demais que todos compreendam os objetivos e as facetas de uma sátira.
Entenda que a sátira é um texto crítico, ácido, com certo humor, e não um desabafo sem construção literária e desprovido de artifícios técnicos. Segundo o "tio" Aurélio, trata-se de "crítica categórica e austera que, feita de maneira irônica, causa zombaria" ou mesmo uma "construção poética, livre e repleta de ironia que se opõe aos costumes, ideias ou instituições da época." Mas, compreender da forma correta não é tão simples quanto se pode imaginar.
A tragédia e a sátira são irmãs e estão sempre de acordo; consideradas ao mesmo tempo, recebem o nome de verdade.
- Fiodor Dostoiévski
Após muitos elogios, alguns insultos e ameaças veladas, decidi, no início de março, retirar o texto. Confesso que, naquele momento, entristecido por não “suportar” as investidas rasas e inconvenientes, mas engrandecido com os elogios de leitores qualificados. Precisava criar um novo marco para recomeçar a escrever, e nada melhor do que retomar escrevendo.
Ironicamente, observei há alguns dias meu filho de sete anos cantarolando a música "Cálice", de Chico Buarque de Holanda. Foi um despertar de esperança, perceber que estou no caminho certo tanto no incentivo do meu filho ao bom gosto pela música brasileira quanto na minha escrita crítica, ácida e incômoda. O que me resta, nesse novo texto de abertura, é relembrar um trecho: "afasta de mim esse cálice".
Se o leitor eventualmente encontrar algo que lhe atinja, lembre-se: não é sobre você. Nicolau Copérnico já desvendou o mistério há mais de 450 anos ao provar que a terra gira em torno de si mesma, no seu próprio eixo, e rodeia o Sol, não você ou uma determinada classe, grupo ou civilização.
Esse “cale-se” foi afastado, nunca de fato me pertenceu.
2 Comentários
"Como é difícil acordar calado
ResponderExcluirSe na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado"
Obrigado pelo comentário professor Mateus, você certamente é um leitor super qualificado.
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